ANJO DO HOSPITAL Por Pastor Alas Santos ANDRÉ LUIZ APARECIDO CANHOS DOS SANTOS
Em 15 de março de 2002,me encontrava desempregado e desanimado, como todos os dias me preparei para ir ao centro da cidade procurar emprego, nesse dia algo mudou em minha vida, de uma forma inovadora e surpreendente. O dia se apresentava nublado, e como era março, choveria fatalmente, uma chuva rápida e intensa, lembro me que não levei o guarda chuva, meus pensamentos estavam conturbados e meu ânimo confesso era bem pouco, pois já há muito tempo estava desempregado, e não era somente estar desempregado, tudo não estava dando certo, pressionado o tempo inteiro, isso me mantinha cada vez mais com a auto estima por terra. Sempre fazia uma oração antes de ir, muitas das vezes sem saber por onde e nem para onde, tendo em vista já ter visitado muitos e muitos lugares, lido várias vezes o mesmo jornal, pedido e até me humilhado, tentando O ANJO DO HOSPITAL alcançar uma vaga, mesmo que fosse das mais humildes, mas infelizmente acima dos quarenta e cinco anos, as coisas se tornam difíceis, pra quem não possui uma instrução técnica ou superior. Nesse dia, senti algo refrescante e estimulante, correr por minhas veias, como se fosse um fluido novo, adicionado a minha corrente sanguínea, dando uma sensação de frescor corporal, ao mesmo tempo minha mente foi bombardeada consecutivamente por frases positivas e de estímulo, e meu coração ardia como se estivesse queimando, mas não como dor de queimadura e sim com um queimar de anseio, ansiava e desejava algo que não conhecia ainda, mas que de alguma forma fazia parte da minha Alma, então tudo isso se misturou a um desejo de fomentar minha sensibilidade. Sai de casa diferente, meus objetivos eram outros, minha intenção era uma pura e doce sensação de servir ao meu próximo, caminhando pelas ruas já molhadas pela chuva que tinha caído à pouco, mas que tornara se pingos miúdos, que ajudaram a refrescar o mormaço daquele dia, lá ia eu em direção a mim mesmo, pois consegui estar em uma introspecção tão grande, que o meu interior conversava comigo mesmo, era o meu guia, traçando uma rota para um destino desconhecido por mim, como se houvesse um GPS interior, direcionando me a um lugar e quando chegasse tal lugar ele me avisaria com sinais sonoros ou visuais, descrevendo a chegada ao meu destino. Chegando a certa rua, uma bifurcação se apresenta, existe uma rotatória e sentidos opostos e contínuos nas faixas de rolamento, indicando a direção que o veículo devia e podia tomar, e prestei muito atenção nisso pois realmente me senti guiado por algo, dirigido por alguém, uma força sem dúvida nenhuma tão poderosa e constante, mas ao mesmo tempo tão singela e meiga, que me tranqüilizava, não deixando em hora nenhuma, uma sensação de erro ou engano, no meu acelerado coração, nem a possibilidade de me achar em situação de surto e loucura ocorreram. Meus sentidos aguçados, condizentes com a minha atual situação, eram todos focados na tentativa de observar, sentir, ouvir ou tocar, algo que poderia estar passando pela minha frente naquele instante, foi quando observando o lado de lá da calçada, fui impelido a atravessar aquela rua, e observar uma outra ruazinha paralela, que segue até o fim da mesma rua, onde ela termina e começa um Hospital, essa visão foi definitiva para ouvir: É aí que você vai trabalhar. Vagando agora em busca de lógicas e respostas, continuei andando em direção, do Hospital, mas por um breve tempo sentei me em um banco do lado de fora, onde existia uma sombra feita por uma árvore, antiga que já não existe mais hoje, e fiquei meditando sobre tudo aquilo, lembrei que tinha currículos comigo e que deveria entregar no departamento pessoal, e foi isso que fui fazer, só que não sentia mais aquela guia ou sensação, achei que seria o fim daquilo tudo, e foi isso que fiz, entreguei meu currículo no departamento pessoal, passei por uma entrevista preliminar, e foi isso, a pessoa que me atendeu me mandou sair e disse que entraria em contato comigo. Estava eufórico, mas essa sensação se desfez em segundos, foi quando ouvi claramente: Que tal fazer umas visitas aos enfermos? Essa idéia, achava que era uma algo formalizado por mim, me deixou muito abalado, fácil compreender, eu odeio Hospital, não pra trabalhar, e sim pelos doentes, tinha pavor de consultar me ou visitar alguém enfermo, mesmo meus filhos no nascimentos deles, só cheguei depois que estavam no quarto, na entrega do meu currículo isso não me perturbou, pois o emprego que eu tinha me candidatado era paro o setor de almoxarifado, que ficava em outra parte do prédio, já tinha pensado nisso. Vou caminhando para a porta de saída, tinha que devolver a carteirinha de visitante, foi quando novamente ouvi: Tem pessoas precisando de uma visita aqui! Nossa meu coração quase parou, ao perceber que realmente tinha algo superior a minha condição humana, falando diretamente em minha mente, e eu estava ali como coadjuvante dentro do meu próprio ser, isso realmente me levou a crer, que tinha alguma tarefa deixada pra mim ali naquele Hospital, não entendia eu o motivo e muito menos, todas as faltas de qualificações, existentes em alguma pessoa, existiam em mim, tive um pensamento de fuga, que foi assim, bem não vão me deixar visitar ninguém, vou chegar na portaria e não permitirão, ledo engano o meu. Estou posicionado em uma fila, para entregar meu cartão de visitante, quando chega minha vez, estendo a mão e o cartão nela, quando fui atendido por um jovem, que aparentava seus vinte e poucos anos, de olhar e feições simpáticas, me perguntou: O senhor vai visitar mais alguém! Nessa hora recolhi a mão e falei imediatamente, vou sim, até que horas posso fazer visitas, até as 14 horas me respondeu, hoje pra se fazer uma visita, principalmente a quem não se conhece, precisa ter documento especial pra isso, senão, não tem jeito, mas naquele tempo não precisava de tantas regras, pelo menos eu acho que não. Me sentindo perdido pelos corredores daquele hospital, comecei a caminhar sem destino ou direção, passando por um quarto existente naquele corredor, ouvi novamente: Entre ai! Foi isso que eu fiz, sem saber o que e como atuar, naquela situação, encontrar várias camas distribuídas pelo quarto, e leitos hospitalares todos ocupados. Eu sempre fui muito bom de conversa, mas ali diante daquela cena, fiquei atônito sem saber o que falar, quando alguém de um dos leitos me falou assim: Veio visitar a gente, veio orar, rezar por nós? Daí minhas pernas bambearam, tive vontade de fugir daquele quarto e daquele hospital, foi nessa hora que senti como se alguém colocando sua mão sobre minha cabeça, isso me pareceu físico mesmo, não somente um sentido, mas sim alguém, ou algum ser me tocara a cabeça, foi quando comecei a orar, rezar, falar com aquelas pessoas, palavras que eu conhecia muito bem, mas que pela primeira vez as juntei de uma forma interessante e apropriada para o momento, foi nesse momento mágico que percebo os meus olhos e os das demais pessoas ali comigo, marejados e entregues a uma situação atípica, sorrimos com nossas lágrimas, tinham um gosto de mel, ao tocar meus lábios. Depois de conhecer um a um, nomes, doenças e suas carências, mas também suas atitudes heróicas enfrentando, problemas sérios de saúde, e continuando sempre esperançosos, percebi que estava diante de seres humanos fantásticos, mesmo que alguns realmente necessitasse de uma visita, pois seus familiares por vários motivos não pudessem estar ali, logicamente sentiam falta do carinho familiar, mesmo assim, se mostravam fortes e dispostos a vencer aquela batalha, chamada câncer. Eu estava começando a entender, que aquelas pessoas buscavam algo a mais, do que o tratamento em si, precisavam também de esperança espiritual, fortalecimento espiritual, e era isso que aquelas visitas tinham por objetivo, e muitas delas com relatos maravilhosos e inesperados, mesmo ainda não achando capacidade em mim, e também não entendendo os motivos, continuava com muito prazer, minha missão. Teve um dia pela manhã, visitando um quarto do segundo andar, me deparei com uma situação muito complicada para mim, tinha a minha frente um pessoa, que estava mostrando em sua pele, uma coloração esverdeada, repousava posso confessar, o seu cadáver devido seu estado de magreza e aparência cadavérica, não tinha mais ninguém naquele quarto o de número 239, a pessoa um homem, dormia, e eu ao seu lado da cama recebi uma ordem que era de pegar na ponte do seu pé, não importava se direito ou esquerdo, de em alta voz pronunciasse: Tem coisas que são para a morte, mas no seu caso é vida! Senhor clamei dentro de mim, como posso falar algo assim, naquele dia por um instante comecei a me questionar, pois tudo aquilo que estava acontecendo, naquele instante me pareceu loucura, só que como veio esse pensamento assim se foi diluído no cálice da certeza, e assim foi dito. Como outro dia sempre se levanta após uma noite, assim também era eu com as visitas, todos os dias estava naquele Hospital, quando falo todos os dias, de segunda a segunda, daí percebi que era meu emprego, e que mesmo sem salário, as coisas em casa iam bem, em todos os aspectos, como até hoje não sei, pois esses dias se transformaram em semanas, as semanas em meses e os meses em um ano. Mais um dia, dia esse cheio de surpresas agradáveis e consistentes, logo ao chegar no Hospital, onde já era conhecido por muitas pessoas, de todos os setores, devido as minhas visitas constantes, fui abordado por uma mulher, que em meio a muitas pessoas, que esperavam consultas no andar térreo, me falou que seu marido estava me chamando, se poderia ir com ela até o seu quarto, minha resposta foi imediata e positiva, e nos dirigimos até o quarto, caminhando pelo andar superior, pensei aqui não tem quartos femininos, pois achei que a mulher queria que fosse até o seu quarto, para uma conversa uma visita para as demais companheiras, quando nos aproxima-nos do quarto de numero 239, imediatamente me veio a lembrança, daquele homem que pra mim já estaria em lugar melhor, livre de dores e aflições, foi quando pra minha surpresa, vejo alguém naquela cama e dessa vez, em outras também, comprimento à todos e pergunto se não sabiam de um senhor que estava naquela cama, onde agora se encontrava outra pessoa de muito melhor aparência, foi quando ouvi isso: Sou eu que estava aqui a semana passada, estava acordado quando o senhor entrou, colocou a mão no meu pé, e me disse, tem coisas que são para a morte mas no seu caso é vida! Foi aí que minha garganta secou, meus olhos eram duas fontes a jorrar naquele quarto meus olhos viam mas não acreditavam, era o impossível diante de mim, onde buscaria explicação para aquilo, de onde sairia a resposta confortadora, que me tiraria qualquer dúvida sobre o fato, veio aquele senhor mesmo que ainda falou: Enquanto o senhor segurou o meu pé, eu vi um anjo de asas abertas segurando minha mão e também falou, pode acreditar no que ele te disse, por isso estou aqui. Sabe tem momentos que a vida nos apresenta situações inusitadas, que pensamos estar dependentes do desespero, da angústia, das drogas legais e ilegais, enfim refém de algo, que nos consome rapidamente ou aos poucos, e para contra balancear tudo isso existem momentos, de pura Luz, de puro Amor de uma pureza infantil, que nos libertamos do intransponível, impossível, inimaginável e conhecemos a força, que nos move em direção a Deus, foi nesse momento que eu o conheci, naquele quarto encontrei com um anjo que não era aquele de asas abertas, não sou digno de vê lo, mas sim um anjo que lutou e acreditou até a libertação, que podia vir de forma técnica e médica, mas veio de maneira sublime e encantadora, e que toda essa história vivida até ali, até aquele instante de revelação, um instante até poético, onde eu que não tinha visto o Anjo naquele dia e naquele quarto, estava recebendo agora e percebendo toda a sua presença desde o primeiro dia em que fui convocado, alistado pra essa frente de amor ao próximo. Cheguei ao Hospital no outro dia, e quando entrei pela porta principal, conhecedor de fatos que até então ignorava, chamava pelo Anjo, e pedia me mostre hoje a direção a seguir, por qual corredor andar, a quem visitar, onde estão os mais necessitados, essa passou a ser minhas conversas todos os dias, quando chegava e quando partia agradecia pela companhia, pela presença, que sentia, mesmo sem ver todos os dias, sabia que Ele estava lá, a me acompanhar e a me guiar, porque esse era o seu trabalho também. Amanheceu mais um dia, já de fevereiro de 2003, senti um frio na espinha, uma saudade que não tinha motivo até então, fui para o Hospital, chegando senti que seria meu último dia ali nas visitas constantes, que passariam a ser esporádicas, e chorei, mais o dia aguardava coisas inimagináveis, ao pensamento humano, foi um dos dias mais gloriosos da minha vida e de muitas pessoas, ali naquele Hospital. Depois de todos os procedimentos, fui visitar a ala das crianças, onde não tinha ido ainda, pelo menos de forma constante, tinha muita pena de crianças doentes, e até aquele dia, tinha me sido permitido, ficar afastado dessa ala, mas naquele dia não. Era tempo de festa, carnaval, então toda aquela ala tinha motivos alegres e festivos, como nas demais épocas de festas e datas comemorativas, além do que a ala das crianças sempre foi cheia de enfeites para quebrar a rotina clínica, que as crianças eram submetidas, lembro me bem que parando em frente a um dos quartos, observei várias camas no total de três, tinha um menino de uns 5 ou 6 anos, um outro de uns 9 e mais um mais velho acho que deveria ter uns 12 anos, pedi licença para seus pais e para as criança e entrei naquele quarto, quando eu e as crianças sentimos uma Luz, muito forte, digo sentimos porque eu não vi, mas as crianças pelo menos duas delas vieram, e eu sabia que estava sobre o mais pequenino deles, foi quando ele começou a falar, e animar os mais velhos, foi quando ele pediu uma oração foi quando ele nos fez entender, o preparo e diferenças de Almas, e que algumas delas são próprios Anjos, vivendo em um corpo cheio de limitações, e foi isso que eu entendi, estava diante de um desses anjos, que me falava e também a todos os pais ali e mais uma enfermeira que sentindo algo lá na frente correu para aquele quarto, a tempo de ouvir essas palavras: Eu vou pra papai do céu, ele tinha falado que eu veria um Anjo e hoje eu vi, mas não é pra se preocupar, mamãe você fez tudo o que era possível pra mim, eu sei sempre vou te amar. Virando se para os outros ele falou que os dois sairiam logo dali, e que não voltariam jamais, foi a última vez que eu vi aquele menino com vida, mas diante daqueles fatos, acontecidos naquele dia, todos nós que estávamos lá ficamos marcados para sempre, diante do inesperado, consolo de uma criança de 5 anos, de de suas palavras confortadoras, aos demais, naquele quarto, foi um sinal pelo menos pra mim, de que as coisas da Alma são puras, mesmo diante da corrupção do corpo físico. Sai de dessa visita, como posso falar como em muitas outras visitas, visitado, em quantas situações não deparei, em que o doente animou o são, que o enfermo ajudou o que tem saúde, dentro desse Hospital aprendi a trocar meus valores, a reduzir meu ego, a parcelar meus compromissos, a lembrar dos que estão vivos, a chorar com os choram, até o ponto de sorrir com eles. Me lembro daqueles corredores, e das pessoas que circulavam por eles, estava caminhando entre vidas, que vinham que partiam, pessoas que colocadas em suas piores situações, encontravam, em seus companheiros de quarto, amizade, como o caso de muitos que alimentavam seus companheiros de esperança, muitos cantavam, outros declamava suas poesias e poemas, alguns faziam planos para o futuro, até casamento sai entre iguais, da mesma dor, que encontram amor, que não vêem corpos, mas sim seres, desvestidos de pele ou órgãos, mais revestidos de um amor, que não passa com a idade, tudo isso eu vi, nesse emprego temporário. Quando fui passar pela porta, ao sair do Hospital, queria muito olhar e ver, para me despedir do Anjo do Hospital, queria poder agradecer por tudo que ele tinha feito, por mim, quando eu quase vacilei, e me chamou a atenção, quando quase desisti ele me fez prosseguir, quando achei impossível ele me fez acreditar, quando eu queria chorar e ele me fez sorrir, mas ele não estava lá, na presença dos meus olhos, nunca vi o Anjo do Hospital, mas sempre soube que ele estava lá.